sexta-feira, 31 de maio de 2013

A Marcha também é dos vadios!




No sábado passado (25/05/13), as ruas de BH foram palco de uma verdadeira pertubação da ordem. Mas não se engane, porque esta ordem foi de natureza social. A cidade apenas acompanhou, com olhares curiosos, o irreverente grupo de pessoas que marchavam pelas ruas, portando apenas seus corpos como ferramenta de protesto. Ainda que alguns destes corpos estivessem nus, permaneciam cobertos de razão. Esse é um dos lemas da Marcha das Vadias.

O ponto de partida foi na Praça Rio Branco, bem pertinho da Guaicurus, rua mal-afamada de Belo Horizonte, que também fez parte do percurso da marcha. Exatamente pelo o que a rua representa. Mas houve quem duvidasse da força do movimento por ter chegado um pouco mais cedo. De fato, quando o relógio já marcava quase 13h, horário estabelecido para partirem para a marcha, ainda não havia se aglomerado um grande número de pessoas. “Achei que vinha mais gente!”, escutava-se aqui e ali. Foi aos poucos que a marcha foi ganhando corpo, compostos por genuínos “soldados da liberdade feminina”, e já às 14h, o movimento na praça era tão grande que atraía bastante atenção dos transeuntes desavisados.


Cores por todos os lados. Seja nos cartazes, nas roupas, ou até mesmo nos corpos, instrumentos usados para exercer política, para onde quer que olhemos, enxergamos cores que vibram por liberdade. Afinal, o movimento também é colorido metaforicamente, já que não existe restrição de participação por quem quer fazer a diferença. São mulheres e homens, jovens e mais velhas, heterossexuais e homossexuais... Há espaço para todos serem vadias e vadios na marcha. 



Não deveria nos causar surpresa, contudo, a presença masculina na mobilização não deixa de ser curioso. Para outros, esse é um fato que anuncia como a opressão machista está prestes à se dissolver perante o bom senso no futuro e que para essa transformação acontecer, é apenas uma questão de tempo. Não deveria nos causar surpresa, contudo, a presença masculina na mobilização não deixa de ser curioso. Para outros, esse é um fato que anuncia como a opressão machista está prestes à se dissolver perante o bom senso no futuro e que para essa transformação acontecer, é apenas uma questão de tempo. Assim como profetiza o verso “Se cuida, machista, América Latina vai ser toda feminista!” entoado pela marcha durante vários momentos do percurso.

Leonardo Vieira, por exemplo, tem 18 anos e conheceu a marcha pela página no facebook da qual faz parte e também integra o Grupo de Juventude Feminista do PT de Betim e Belo Horizonte. “Não vejo nenhuma dificuldade nesse lance de sexualidade. Acho que ninguém tem a ver com ninguém e todo mundo é livre para fazer o que quiser”, conclui Leonardo em relação a sua participação no evento. Ainda que não seja a vítima direta da sociedade machista, o jovem enxerga seu papel como homem na causa como um meio de fortalecimento do movimento.

De vestidos curtinhos, floridos e estampados, duas figuras acabam chamando bastante
atenção, dentre uma multidão adornada por cartazes e cartolinas coloridas e com seus lemas pincelados na pele, são eles: Tomás Reis, 18, e Paulo Afonso, 20, que se travestiram de mulher para o evento. E serviram para provar que não existe sexismo de gênero, logo, homem também pode usar vestido enquanto mulher pode gostar de carrinho livremente.

 Além da Marcha das Vadias, os jovens também participam dos mais diversos movimentos de cunho social que visem a libertação das minorias. “As pessoas precisam parar de achar que precisam se identificar apenas com a causa de seu semelhante. Por exemplo, se eu sou gay, eu preciso me mobilizar apenas pelos homossexuais? Não. Assim também com as mulheres, nós também podemos contribuir para acabar com essa sociedade patriarcal e machista que persistiu até hoje”, declara um deles, Tomás.  

Slut Walk, a origem no Canadá

Quando Jackson Pires, 26 anos, soube que o motivo da Marcha das Vadias foi originado devido à fala de um policial canadense que justificou os casos de estupro como sendo culpa das universitárias que vestiam de maneira inapropriada no campus, resolveu então participar. Ele já participou de outras mobilizações sociais, como o Fórum Social Mundial, e também trabalhou uma entidade chamada “Casa do Movimento Popular”. “A mulher pode ser a protagonista, mas também acho importante nossa participação e representação até mesmo para levar esta discussão para outros homens também”, pontua.

A polêmica com o policial no Canadá foi apenas o estopim para eclodir uma força que há muito procurava uma via de escape. E por isso, as militantes escolheram justamente o termo “vadia” para nomear o movimento, para que desta forma o instrumento de opressão ganhasse um novo corpo de libertação. E foi a palavra vadia, usada de forma pejorativa, que deu vazão a uma série de novos questionamentos. “A gente cresce ouvindo muito o ‘não pode’. Não pode isso, não pode aquilo. Mas aí a gente sempre é calado ao se perguntar o porquê do ‘não pode’. Por que é diferente o sexo? Por que é diferente salário? O pudor? Por que é diferente os pudores? A única coisa diferente da mulher é o organismo. Homem não menstrua, ponto”, exprime Federico Contarini, 20 anos.

Federico conheceu o Feminismo através de sua professora, Nina Caetano, que é dramaturga e militante do movimento. E, inclusive, seu trabalho é pautado no tema, segundo Federico, a professora realiza esporádicas apresentações na Praça Sete sobre o assunto. Foi ao entrar na faculdade de Artes Cênicas, então, que o jovem teve contato com a luta pela igualdade entre homens e mulheres e começou a se interessar mais. Para ele, a única maneira de chegarmos a um futuro onde a sociedade não terá mais uma supremacia machista e opressora será pela via da educação. “Educação é acúmulo, né. Um pouquinho disso aqui todo ano, vai acumulando aos poucos e chegará nela uma hora o pensamento e o questionamento. Se a pessoa recebe o mesmo conhecimento, ela se acostuma. Então ela vê aquilo como natural”, termina.

Rafael Couto Soares, 27, acha um absurdo os salários menores ás mulheres

Na marcha também nos deparamos com gente de fora. O advogado de Direito Penal, Rafael Couto Soares, 27, já tinha participado do mesmo evento, porém no Rio de Janeiro, onde mora atualmente. Outra passagem sua na marcha foi em São Paulo no ano passado. “De certa forma eu também faço parte de um grupo de minoria. Sou homossexual e também sofro preconceito no dia-a-dia. Eu consigo, então, me identificar com outro grupo que é subjugado... Não sei se um homem heterossexual possa se identificar assim como eu. É possível que sim, mas também é possível que não”, argumenta o carioca.

Para ele, precisamos chegar a um esclarecimento básico para podermos, enfim, alcançar uma sociedade igualitária, sem violência entre gêneros e sem esse machismo tão enraizado e naturalizado pela sociedade. “Estamos caminhando para um machismo velado, que é ainda é pior para combater do que o explícito. Porque este último está escancarado, então, você pega e mostra: ‘ó, isso é machismo’. O não-dito é ainda pior. Você tá lá achando que tá tudo bem e, na verdade não está, porque as mulheres continuam sendo estupradas, ganhando menos que os homens e outras coisas”, completa.

Vadio, por acaso

Já Federico de Oliveira não precisou nem mesmo ser convidado para a marcha através de uma rede social. No ano passado, ao sair do metrô, o jovem se “esbarrou” com a marcha que se reunia na Praça Rio Branco. “No começo eu levei um susto. “Eu sou vadia”? Como assim? Não entendi. Só depois fui saber o que era, sobre o policial em Toronto e fui saber o que é”. Este ano de lábios vermelhos, Federico levanta a questão do machismo presente também nas mulheres. Segundo ele, a percepção da importância da marcha vem de uma sensibilidade maior de indivíduo ou mesmo de alguma minoria que já se sentiu algum preconceito em outra esfera social. E ele atenta bastante para o ponto no qual as mulheres também precisam se conscientizar disso, pois, infelizmente não são todas que lutam para ter seus direitos reconhecidos.



Contra-argumento

Letícia Gonçalves, 25 anos, que integrou as outras edições apenas como participante, este ano atuou vinculada à organização do evento. Letícia é psicóloga e faz parte da Associação Brasileira de Psicologia Social, uma instituição que articula militância e academia e também atua pelos direitos humanos. “Acho que a marcha possui uma potência muito grande de desnaturalizar a violência contra as mulheres. Um enfretamento radical por trazer tudo que produz a violência, não só a violência já concreta. Portanto, acredito que seja, com certeza, um contra-argumento ao chamado machismo velado que vivemos hoje”, esclarece.

Letícia Gonçalves, 25, psicóloga e uma das organizadoras do evento este ano

Apesar de haver o risco de banalização da marcha e o impacto da mesma se reduzir ao efeito passageiro, acredito que para quem vai lá e confere como é, de fato, o movimento, entra em contato com uma outra percepção não explorada até o momento. Quem vai, pode até não virar feminista, assim, logo de cara. Mas menos machista, com certeza, sim.

Para conferir outras fotos do evento, acesse a galeria no flickr!

Veja também um video bastante esclarecedor acerca da Marcha das Vadias, talvez você mude sua ideia a respeito ou resolva fazer parte:



O video fez parte da divulgação da marcha em Brasília - DF.

Abaixo tem um mapa com todo o percurso da Marcha das Vadias desse ano, com fotos de cada rua por onde ela passou. Confira também:


Visualizar Marcha das vadias em um mapa maior



Produção, fotos e reportagem: Rafaela Romano, estudante de Jornalismo na PUC - MG.