No
sábado passado (25/05/13), as ruas de BH foram palco de uma verdadeira
pertubação da ordem. Mas não se engane, porque esta ordem foi de natureza
social. A cidade apenas acompanhou, com olhares curiosos, o irreverente grupo
de pessoas que marchavam pelas ruas, portando apenas seus corpos como
ferramenta de protesto. Ainda que alguns destes corpos estivessem nus,
permaneciam cobertos de razão. Esse é um dos lemas da Marcha das Vadias.
O
ponto de partida foi na Praça Rio Branco, bem pertinho da Guaicurus, rua
mal-afamada de Belo Horizonte, que também fez parte do percurso da marcha.
Exatamente pelo o que a rua representa. Mas houve quem duvidasse da força do
movimento por ter chegado um pouco mais cedo. De fato, quando o relógio já
marcava quase 13h, horário estabelecido para partirem para a marcha, ainda não havia
se aglomerado um grande número de pessoas. “Achei que vinha mais gente!”,
escutava-se aqui e ali. Foi aos poucos que a marcha foi ganhando corpo,
compostos por genuínos “soldados da liberdade feminina”, e já às 14h, o
movimento na praça era tão grande que atraía bastante atenção dos transeuntes
desavisados.
Cores por todos os lados. Seja nos cartazes, nas roupas, ou até mesmo
nos corpos, instrumentos usados para exercer política, para onde quer que
olhemos, enxergamos cores que vibram por liberdade. Afinal, o movimento também
é colorido metaforicamente, já que não existe restrição de participação por
quem quer fazer a diferença. São mulheres e homens, jovens e mais velhas,
heterossexuais e homossexuais... Há espaço para todos serem vadias e vadios na
marcha.
Leonardo
Vieira, por exemplo, tem 18 anos e conheceu a marcha pela página no facebook da
qual faz parte e também integra o Grupo de Juventude Feminista do PT de Betim e
Belo Horizonte. “Não vejo nenhuma dificuldade nesse lance de sexualidade. Acho
que ninguém tem a ver com ninguém e todo mundo é livre para fazer o que quiser”,
conclui Leonardo em relação a sua participação no evento. Ainda que não seja a
vítima direta da sociedade machista, o jovem enxerga seu papel como homem na
causa como um meio de fortalecimento do movimento.
De
vestidos curtinhos, floridos e estampados, duas figuras acabam chamando
bastante
atenção, dentre uma multidão adornada por cartazes e cartolinas
coloridas e com seus lemas pincelados na pele, são eles: Tomás Reis, 18, e
Paulo Afonso, 20, que se travestiram de mulher para o evento. E serviram para
provar que não existe sexismo de gênero, logo, homem também pode usar vestido
enquanto mulher pode gostar de carrinho livremente.
Além da Marcha das Vadias, os jovens também
participam dos mais diversos movimentos d e cunho social que visem a libertação
das minorias. “As pessoas precisam parar de achar que precisam se identificar
apenas com a causa de seu semelhante. Por exemplo, se eu sou gay, eu preciso me
mobilizar apenas pelos homossexuais? Não. Assim também com as mulheres, nós
também podemos contribuir para acabar com essa sociedade patriarcal e machista
que persistiu até hoje”, declara um deles, Tomás.
Slut Walk, a origem no Canadá
Quando
Jackson Pires, 26 anos, soube que o motivo da Marcha das Vadias foi originado
devido à fala de um policial canadense que justificou os casos de estupro como
sendo culpa das universitárias que vestiam de maneira inapropriada no campus,
resolveu então participar. Ele já participou de outras mobilizações sociais,
como o Fórum Social Mundial, e também trabalhou uma entidade chamada “Casa do
Movimento Popular”. “A mulher pode ser a protagonista, mas também acho
importante nossa participação e representação até mesmo para levar esta
discussão para outros homens também”, pontua.
A
polêmica com o policial no Canadá foi apenas o estopim para eclodir uma força
que há muito procurava uma via de escape. E por isso, as militantes escolheram
justamente o termo “vadia” para nomear o movimento, para que desta forma o
instrumento de opressão ganhasse um novo corpo de libertação. E foi a palavra vadia, usada de forma pejorativa,
que deu vazão a uma série de novos questionamentos. “A gente cresce ouvindo
muito o ‘não pode’. Não pode isso, não pode aquilo. Mas aí a gente sempre é
calado ao se perguntar o porquê do ‘não pode’. Por que é diferente o sexo? Por
que é diferente salário? O pudor? Por que é diferente os pudores? A única coisa
diferente da mulher é o organismo. Homem não menstrua, ponto”, exprime Federico
Contarini, 20 anos.
Rafael Couto Soares, 27, acha um absurdo os salários menores ás mulheres
Na
marcha também nos deparamos com gente de fora. O advogado de Direito Penal,
Rafael Couto Soares, 27, já tinha participado do mesmo evento, porém no Rio de Janeiro,
onde mora atualmente. Outra passagem sua na marcha foi em São Paulo no ano
passado. “De certa forma eu também faço parte de um grupo de minoria. Sou
homossexual e também sofro preconceito no dia-a-dia. Eu consigo, então, me
identificar com outro grupo que é subjugado... Não sei se um homem
heterossexual possa se identificar assim como eu. É possível que sim, mas
também é possível que não”, argumenta o carioca.
Para
ele, precisamos chegar a um esclarecimento básico para podermos, enfim,
alcançar uma sociedade igualitária, sem violência entre gêneros e sem esse machismo
tão enraizado e naturalizado pela sociedade. “Estamos caminhando para um
machismo velado, que é ainda é pior para combater do que o explícito. Porque
este último está escancarado, então, você pega e mostra: ‘ó, isso é machismo’.
O não-dito é ainda pior. Você tá lá achando que tá tudo bem e, na verdade não
está, porque as mulheres continuam sendo estupradas, ganhando menos que os homens
e outras coisas”, completa.
Vadio, por acaso
Contra-argumento
Letícia
Gonçalves, 25 anos, que integrou as outras edições apenas como participante,
este ano atuou vinculada à organização do evento. Letícia é psicóloga e faz
parte da Associação Brasileira de Psicologia Social, uma instituição que articula
militância e academia e também atua pelos direitos humanos. “Acho que a marcha
possui uma potência muito grande de desnaturalizar a violência contra as
mulheres. Um enfretamento radical por trazer tudo que produz a violência, não
só a violência já concreta. Portanto, acredito que seja, com certeza, um
contra-argumento ao chamado machismo velado que vivemos hoje”, esclarece.
Letícia Gonçalves, 25, psicóloga e uma das organizadoras do evento este ano
Apesar
de haver o risco de banalização da marcha e o impacto da mesma se reduzir ao
efeito passageiro, acredito que para quem vai lá e confere como é, de fato, o
movimento, entra em contato com uma outra percepção não explorada até o
momento. Quem vai, pode até não virar feminista, assim, logo de cara. Mas menos
machista, com certeza, sim.
Para
conferir outras fotos do evento, acesse a galeria no flickr!
Veja também um video bastante esclarecedor acerca da Marcha das Vadias, talvez você mude sua ideia a respeito ou resolva fazer parte:
O video fez parte da divulgação da marcha em Brasília - DF.
Abaixo tem um mapa com todo o percurso da Marcha das Vadias desse ano, com fotos de cada rua por onde ela passou. Confira também:
Produção, fotos e reportagem: Rafaela Romano, estudante de Jornalismo na PUC - MG.